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Já fazem algumas semanas que foram apresentados projetos de lei visando atacar o problema das fake news no Congresso Nacional, tanto no Senado como na Camara dos Deputados. Entretanto, esses projetos foram apresentados e retirados da pauta de votação várias vezes, e não foram discutidos com a sociedade civil organizada. Audiências Públicas? Há muitos anos, […]
Já fazem algumas semanas que foram apresentados projetos de lei visando atacar o problema das fake news no Congresso Nacional, tanto no Senado como na Camara dos Deputados. Entretanto, esses projetos foram apresentados e retirados da pauta de votação várias vezes, e não foram discutidos com a sociedade civil organizada.
Há muitos anos, é praxe que o Congresso convoque Audiências Públicas para ouvir todas as partes interessadas quando elabora legislação sobre temas não triviais. Entretanto, no atual momento de emergência sanitária global, não estão ocorrendo Audiências Públicas. O número de participantes, entretanto, é muito menor do que o número de deputados e senadores, que desde fins de março realizam suas sessões totalmente online. Portanto, não é por falta de tecnologia que essas Audiências não acontecem…
Outro aspecto a considerar é a escolha do momento para a tramitação destes projetos: fake news certamente não são uma novidade tecnológica, elas são conhecidas há muitos anos. A repentina pressa na tramitação destes projetos, conforme declarações de seus próprios autores e relatores, está diretamente ligada ao momento político que vivemos. Há em andamento no Congresso Nacional uma Comissão Parlamente Mista de Inquérito (CPMI) focada na investigação do uso de fake news em campanhas políticas, além da investigação em curso no Supremo Tribunal Federal, cujos resultados podem influenciar os julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral em relação à denúncias de abuso econômico e fake news pela chapa presidencial que venceu as eleições de 2018.
Ficando restritos às leis do mundo ‘técnico’, precisamos lembrar da lei conhecida como “Marco Civil da Internet”: elaborada com consultas a todas as partes interessadas, incluindo a sociedade civil, ONGs, acadêmicos, profissionais e empresas, entre outros, ela se tornou um exemplo a nível mundial, na construção de uma governança eficaz para o uso da Internet.
Outro aspecto a considerar é a escolha do momento para a tramitação destes projetos: fake news certamente não são uma novidade tecnológica, elas são conhecidas há muitos anos. A repentina pressa na tramitação destes projetos, conforme declarações de seus próprios autores e relatores, está diretamente ligada ao momento político que vivemos. Há em andamento no Congresso Nacional uma Comissão Parlamente Mista de Inquérito (CPMI) focada na investigação do uso de fake news em campanhas políticas, além da investigação em curso no Supremo Tribunal Federal, cujos resultados podem influenciar os julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral em relação à denúncias de abuso econômico e fake news pela chapa presidencial que venceu as eleições de 2018.
Outro exemplo são as leis de proteção da privacidade dos dados das pessoas (que no Brasil resultaram na LGPD, também amplamente discutida), que ao longo das últimas décadas estão sendo promulgadas em inúmeros países ao redor do mundo.
Já no caso das fake news, não conhecemos nenhum país que tenha aprovado uma legislação eficaz e específica sobre fake news… Dado que a Internet é global, legislação isolada em um único país ou terá resultados frustrantes, ou periga transformar esse país em uma ‘ilha’, como acontece em alguns países autoritários.
Voltando aos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, eles incluem várias mudanças no Marco Civil da Internet, sem que tenha havido uma reflexão mais profunda acerca dos impactos que isso teria.
Não podemos deixar de constatar que, na prática, com a adoção cada vez mais generalizada da difusão da informação por meios tecnológicos, a capacidade de “turbinar” fake news também é cada vez maior.
Baseados neste fato, os projetos de lei apresentados propuseram que as empresas que mantêm as chamadas “plataformas de redes sociais” assumam a responsabilidade de determinar se os conteúdos publicados por seus usuários são ou não fake news.
Essa sugestão de solução, porém, apresenta diversas dificuldades. Por exemplo: mesmo que as empresas assumam os custos relativos a esse processo, qual é a garantia de que a equipe que receba essa função seja composta por pessoas imparciais em relação a todos os temas que terão que definir como verdade ou mentira? Mais, as empresas não tenderão a decidir em função de seus próprios interesses?
Adicionalmente, a obrigatoriedade de um processo deste tipo geraria a obrigatoriedade de avaliar todas as publicações antes delas serem liberadas, impondo algo muito semelhante a uma censura prévia. Além de inconstitucional, esse tipo de operação pode ser impossível de manter num mundo interconectado, onde as informações fluem em tempo real.
Finalmente, a delegação da decisão sobre a veracidade de qualquer afirmação feita em público a empresas privadas pode ser interpretada como a privatização de algumas das funções da própria justiça, o que levanta a possibilidade de que partes desses projetos, se convertidos em lei, sejam questionados no STF quanto a sua constitucionalidade.
Também é importante observar que as plataformas em questão também servem para a disseminação de informações verdadeiras e objetivas. Nossa dependência de informação verdadeira também é cada vez maior!
Diversos tipos de mentiras já são ‘catalogadas’ em nosso Código Penal: difamação, injúria e calúnia são exemplos disto. Classificados como crimes de pequeno potencial ofensivo, as penas para essas mentiras podem ser julgadas nos Juizados Especiais Criminais (conhecidos também como “pequenas causas”), onde a indenização é limitada a 20 salários mínimos.
Assim, quem planeja uma campanha eleitoral ou de marketing que atingirá dezenas ou centenas de milhões de pessoas, conclui que ‘o crime compensa’.
Concluimos então que simplesmente, estes crimes não podem ‘compensar’. Para tanto, seria suficiente modificar o Código Penal de tal forma que as penas determinadas pela justiça sejam proporcionais ao tamanho do estrago por elas causado! Quanto mais pessoas forem atingidas por essas mentiras qualificadas, maiores deveriam ser as penas.
A identificação dos produtores de fake news é um processo que a justiça já domina: o inquérito sobre fake news em andamento no STF já provou isso, ao identificar não apenas os autores e os equipamentos utilizados, mas também os financiadores do aparato utilizado.
Assim como ocorre com quaisquer outras regras de convívio numa sociedade que se supõe organizada, é urgente desenvolvermos mecanismos para educar a toda a cidadania sobre os riscos de circular informação possivelmente inverídica e sobre como se precaver para não ampliar essa circulação.
Seja lá qual for a solução que nossos legisladores vierem a adotar, precisamos romper com uma “tradição” de que diante da existência de qualquer tipo de crime, basta criar leis com regras adicionais a serem cumpridas por cidadãos e empresas. Isso apenas complica a vida e aumenta os custos de todos, incluindo a maioria que não é criminosa.
E é bom lembrar que, seja lá qual for a regra, os criminosos sempre encontram uma forma de burlá-la!
Desenvolvido por: Leonardo Nascimento & Giuliano Saito