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Desigualdade: o vilão não é a inovação e sim a sociedade

Esse artigo foi inspirado na indignação de um grande amigo ao ler a entrevista do economista italiano Michele Boldrin intitulada “A inovação destrói empregos com mais rapidez do que a educação os salva “, publicada em agosto de 2017, no El País. Na opinião deste amigo, ao longo de sua experiência de mais de 40 […]

15 de outubro de 2021 11:44
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Rodolfo Fücher é presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software - ABES, sócio fundador da FEMP Participações, membro do comi...

Esse artigo foi inspirado na indignação de um grande amigo ao ler a entrevista do economista italiano Michele Boldrin intitulada “A inovação destrói empregos com mais rapidez do que a educação os salva “, publicada em agosto de 2017, no El País. Na opinião deste amigo, ao longo de sua experiência de mais de 40 anos no setor de tecnologia da informação, os fatos demonstram que a tecnologia tem colaborado para a criação de inúmeros novos negócios, nunca antes possíveis, gerando incontáveis novas profissões e avanços indiscutíveis para o bem da sociedade. Ele finaliza que a tecnologia não é o vilão, e sim um agente de desenvolvimento.

Na minha visão, a chegada de alguma tecnologia ou modelo inovador, sem dúvida, cria em um primeiro momento um gap entre grupos de pessoas que têm acesso a essa nova tecnologia e são beneficiados por ela, e pelos que não têm acesso ou tão pouco têm condições de explorá-la. Este gap pode impactar empregos do modelo até então existente, gerando a dita desigualdade. O ponto central é a velocidade que este gap é reduzido, ou eliminado, até o momento em que a maioria da população passa a ter acesso aos benefícios desta determinada inovação.

Lembram quando a sociedade utilizava cavalos como uma força animal para tracionar veículos? Em, praticamente, uma década apenas, os veículos a combustão substituíram os animais na cidade de Nova Iorque. Pensem na quantidade de pessoas que perderam seus empregos, desde aqueles que trabalhavam no campo, transporte, limpeza da cidade, veterinários, criadores, cuidadores etc. Por outro lado, a indústria automobilística passou a necessitar de trabalhadores para as linhas de montagem, mecânicos, engenheiros, entre outros. Além disso, também surgiu um imenso marketplace: indústria de autopeças, acessórios, oficinas, postos de gasolina, etc. Sem falar nos demais benefícios, como a rapidez do transporte de cargas e alimentos que, no final, transformaram radicalmente a logística deixando-a mais ágil, eficiente e barata e aumentando significativamente a disponibilidade e facilidade a produtos, de forma ampla e democrática. Pela lógica, maior a demanda, mais produção. Mais produção, mais empregos. Porém, certamente durante este processo de transição, houve um período no qual o desemprego aumentou. O que nos leva a refletir sobre a velocidade que a sociedade consegue requalificar sua mão de obra e, tão importante quanto, criar meios de acesso às ferramentas e equipamentos que asseguram que esta inovação seja usufruída por toda a sociedade o mais rápido possível e, dessa forma, afastar o aumento na desigualdade e sem impactar as gerações subsequentes.

Um bom exemplo é o que estamos vivenciando hoje: a falta de acesso à internet deixou cerca de 25% dos estudantes fora do processo educativo. Não há como a sociedade recuperar este tempo perdido. Estes 25% ficarão em desigualdade e, muito provavelmente, impactarão as próximas gerações. O acesso à internet é tão importante quanto o acesso à energia elétrica e saneamento básico.

Quando olhamos ao longo prazo, é indiscutível as inúmeras oportunidades geradas diretamente ou indiretamente pela chegada de alguma tecnologia ou modelo inovador, em um número ainda muito maior ao existente. No entanto, a velocidade de reduzir este gap de acesso e qualificação está diretamente relacionada ao empenho da sociedade de forma geral em ficar atenta a estes ciclos de inovação tecnológico. Obviamente, como qualquer país democrático, o governo é fruto de sua sociedade. E fica claro que, como sociedade brasileira, não estamos desempenhando este papel adequadamente.

Somos nós os culpados e não a inovação. Cabe a nós, como indivíduos, da forma que estiver ao nosso alcance, contribuir para que este gap seja reduzido de forma mais ágil e eficiente. Somente dessa forma teremos uma sociedade mais próspera e inclusiva.

Na ABES, Associação Brasileira das Empresas de Software, da qual sou presidente pró-bono, estamos atuando em duas principais frentes para reverter esse quadro. Temos trabalhado junto aos poderes legislativo e executivo, combatendo veementemente as várias propostas de reforma tributária, que no final do dia vem majorar o acesso à tecnologia pela população brasileira que o Brasil já sofre com uma das maiores tributações no segmento de telecomunicações no mundo, aumentando ainda mais esse gap. E demos início à mobilização para redução da desigualdade desenvolvida em parceria com a ReUrbi e o Observatório do Terceiro Setor, com apoio da Weber Shandwick. Nosso objetivo é apoiar projetos de inclusão social que promovam a capacitação e inclusão na área digital, por meio dos recursos obtidos pela reciclagem de equipamentos de TI descartados pelas empresas participantes do Programa ABES ReciTech, no qual faz a coleta, reciclagem e reinsere os equipamentos na cadeia produtiva.

Afinal, não podemos culpar o padeiro pela existência da fome.

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