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Em 1995, foi criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil
*Henrique Faulhaber
Em 1995, quando iniciou-se o processo de privatização dos serviços de telecomunicação e a internet comercial dava seus primeiros passos, foi criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Sua missão era garantir que a internet brasileira fosse desenvolvida de forma plural, técnica e democrática, distinta da lógica regulatória tradicional das telecomunicações. Nascia assim um modelo multissetorial inédito, que reuniu representantes do governo, da iniciativa privada, da academia e da sociedade civil, todos com direito a voz e voto.
Quase 30 anos depois, esse arranjo consolidou-se como referência internacional. O CGI.br não apenas coordenou aspectos técnicos — como a gestão de domínios, a distribuição de endereços IP — mas também foi protagonista de discussões fundamentais sobre políticas públicas que envolvem a agenda digital . Participou ativamente da construção do Marco Civil da Internet, da Lei Geral de Proteção de Dados, da expansão do protocolo IPv6, da criação do IX.br (maior sistema de troca de tráfego de Internet do mundo) e de iniciativas pioneiras de segurança cibernética, inclusão digital e regulação de plataformas digitais.
Esse legado, no entanto, está sob ameaça. O Projeto de Lei 4557/2024, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe uma reestruturação na governança da internet no país, subordinando o CGI.br à Anatel e modificando sua composição. Da forma que está sendo proposto, o projeto de lei rompe com os princípios que tornaram o modelo brasileiro um exemplo global.
A proposta parte de um diagnóstico simplista: supõe que a governança da internet se limita à gestão de infraestrutura – que nem é de telecomunicação, mas de uma camada superior- ignorando que os desafios atuais — como a emergência onipresente da inteligência artificial, o poder das plataformas digitais e a proteção de direitos fundamentais no ambiente online — exigem articulação transversal, visão de Estado e participação ativa de múltiplos setores.
A tentativa de encaixar o CGI.br em uma estrutura tradicional de uma agência reguladora setorial como a Anatel, que foi criada em 1997 a partir da Lei Geral de Telecomunicações é um retrocesso, pois foi justamente para retirar a internet do controle do estado que o CGI.br foi criado para garantir participação dos múltiplos setores da sociedade envolvidos em sua construção e uso. A Anatel não tem mandato legal, nem expertise para liderar esse processo.
Não se nega que o CGI.br possa ser aprimorado. Sua composição pode ser atualizada para refletir melhor a diversidade dos atores hoje envolvidos no ecossistema digital. Mas isso deve ser feito com diagnóstico técnico, diálogo aberto e perspectiva de futuro — não com uma proposta que desmonta o que está funcionando
A governança da internet deve ser capaz de responder a novos desafios sem abrir mão da escuta e da articulação entre as múltiplas instituições . O Brasil deve se orgulhar de ter construído, antes de muitos outros países, um modelo que dá certo. Preservar esse modelo — modernizando-o, sim, mas sem comprometer seus fundamentos — é uma responsabilidade histórica.
O PL 4557 da forma que está proposto é um retrocesso e ameaça. O futuro da internet aberta, livre e plural no Brasil depende de nossa capacidade de rejeitar esse caminho e construir uma alternativa à altura dos desafios que enfrentamos.
*Conselheiro do CGI.br representando o Setor de Tecnologia da Informação
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