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Tecnologia, tarifas e futuro: a chance do Brasil no tabuleiro global

Tensão geopolítica pode ser uma oportunidade de reposicionamento estratégico para o país

26 de agosto de 2025 08:30
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O atual presidente da Softex é Msc em Marketing, tem MBA em gestão pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e é formado em engenharia pela Univer...

Por Ruben Delgado, presidente da Softex

O cenário global da tecnologia e da economia vive um ponto de inflexão. O ano de 2025 está marcado pela intensificação da rivalidade comercial e tecnológica entre Estados Unidos e China, que deixou de ser uma simples disputa por tarifas e se tornou uma corrida aberta pela hegemonia digital. Essa tensão geopolítica está redesenhando cadeias de valor, reconfigurando mercados e impondo pressões inéditas sobre todos os países. Para o Brasil, e em especial para o setor de Tecnologia da Informação e Comunicação, esse momento não pode ser visto apenas como um obstáculo, mas como uma oportunidade de reposicionamento estratégico.

As recentes políticas tributárias norte-americanas dão a medida da gravidade e da possibilidade que temos em mãos. Produtos chineses enfrentam tarifas de até 145%, enquanto as exportações brasileiras passaram a ser taxadas em 50%. É, sem dúvida, um choque de competitividade. Mas essa disparidade abre espaço para que o Brasil se apresente como alternativa confiável a empresas que buscam reduzir sua dependência da China e diversificar suas cadeias de suprimentos. Num mundo em que a previsibilidade se tornou escassa, o Brasil pode oferecer neutralidade geopolítica e uma força de trabalho qualificada, ainda que subaproveitada.

O mercado brasileiro de TIC movimenta cerca de R$ 590 bilhões por ano e vem demonstrando resiliência. Temos um ecossistema dinâmico de startups, empresas consolidadas e centros de pesquisa que dialogam com hubs globais de inovação. A base de talentos é significativa, mas ainda insuficiente diante da velocidade da demanda. O déficit de profissionais de TI é um gargalo real, e a fuga de cérebros — física e virtual — ameaça nossa capacidade de transformar potencial em protagonismo. Some-se a isso os desafios de infraestrutura digital, semicondutores e incentivos fiscais, e temos uma equação complexa a resolver.

As tarifas impostas pelos Estados Unidos impactam diretamente nossos custos de produção, elevando em média 14,5% os insumos de TIC, com reflexos que vão do hardware mais caro ao encarecimento de serviços em nuvem. Startups e empresas de software sentem os efeitos indiretos, seja pela necessidade de certificações internacionais mais rígidas, seja pela pressão por preços mais competitivos em mercados maduros. Mas, ao mesmo tempo, o aumento muito mais acentuado aplicado à China abre um corredor de oportunidades. É nesse corredor que o Brasil deve se mover com rapidez, explorando alternativas como o nearshoring, o friendshoring e o que chamamos de “Brazil-shoring”: um modelo que combina neutralidade política, fuso horário vantajoso e atratividade em custo-benefício.

Para que esse cenário se converta em realidade, é indispensável uma atuação firme e coordenada. O governo precisa assumir a liderança na criação de um marco regulatório específico para nearshoring, que simplifique processos, reduza a burocracia e torne o Brasil destino natural de operações de TIC realocadas. É preciso também redirecionar e acelerar programas estratégicos, como o Brasil Semicon, focando em segmentos onde temos condições reais de competir, como assembly, test and packaging de semicondutores. Ao mesmo tempo, nossa diplomacia tecnológica deve ser mais ativa, buscando acordos bilaterais e multilaterais que ampliem o acesso a mercados e protejam nossos interesses em um ambiente de disputas crescentes.

O setor privado tem igual responsabilidade. Não há como competir globalmente sem certificações internacionais que comprovem qualidade, segurança e compliance. O Brasil precisa de um movimento de certificação em massa, apoiado por capital e consultoria, para que nossas empresas estejam aptas a acessar contratos de alto valor. Além disso, é hora de diversificar geografias: olhar para Europa, América Latina, Índia e outros mercados emergentes como destinos estratégicos, reduzindo a dependência dos Estados Unidos e criando resiliência diante da volatilidade. Nesse processo, a diferenciação por valor agregado será crucial. Em vez de competir apenas por preço, nossas empresas precisam entregar soluções inovadoras, em nichos de alta demanda como fintechs, agtechs, saúde digital e cidades inteligentes.

As agências de fomento também precisam estar à altura do desafio. Startups e pequenas e médias empresas de TIC enfrentam dificuldades históricas de acesso a crédito. Criar linhas de financiamento voltadas para internacionalização, certificação e P&D, bem como fundos de coinvestimento e mecanismos de garantia, é um passo urgente. Países que hoje lideram o setor tecnológico estruturaram seus avanços sobre políticas inteligentes de crédito e investimento. O Brasil não pode repetir a lógica de sempre e deixar essa janela passar.

O momento é desafiador. Tarifas elevadas, concorrência global acirrada, volatilidade cambial, déficit de talentos e infraestrutura desigual compõem um quadro complexo. Mas, pela primeira vez em décadas, temos uma oportunidade concreta de nos posicionarmos como protagonistas no cenário digital. A Softex acredita que o Brasil pode assumir esse papel, desde que haja visão de longo prazo, coragem para implementar reformas e articulação entre governo, setor privado e sociedade.

Não se trata apenas de reagir a pressões externas, mas de transformá-las em impulso para inovação, internacionalização e autonomia tecnológica. O mundo caminha para uma reconfiguração das cadeias de valor, e o Brasil precisa decidir se será mero espectador ou arquiteto desse novo desenho. A hora de agir é agora.

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