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CGI.br de olho no tema da regulação de plataformas

Confira entrevista exclusiva com Henrique Faulhaber sobre a internet, os desafios do presente e as projeções do futuro

27 de abril de 2022 10:57

O mundo vive um processo acelerado quando o assunto é tecnologia. Quando pensamos que estamos tratando do futuro, na verdade já estamos no passado. Tão grande é a movimentação do desenvolvimento tecnológico mundial! Esse ritmo frenético de progresso também inclui a internet. 

Em 1995, quando o cenário da internet do Brasil ainda era embrionário, de forma visionária, surgiu o Comitê Gestor da Internet no Brasil (GCI.br). Trata-se de uma estrutura multissetorial responsável por coordenar e integrar atividades relacionadas ao uso e funcionamento da internet no país.

Esse Comitê tem atividades que envolvem, entre outras questões, o estabelecimento de diretrizes estratégicas e técnicas sobre o funcionamento da Internet, execução do registro de nomes de domínio, alocação de endereços IP e administração do domínio nacional de nível superior (ccTLD) “.br”.

Integram o CGI.br, 9 representantes do setor governamental, 4 do setor empresarial, 4 do terceiro setor, 3 da comunidade científica e tecnológica e 1 representante de notório saber em assuntos de Internet.

Nessa edição, a RNTI traz uma entrevista exclusiva com Henrique Faulhaber, representante titular do setor empresarial, da Indústria de bens de informática, de bens de telecomunicações e de software. 

Henrique Faulhaber é Matemático pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) com Mestrado em Engenharia de Sistemas pelo Instituto Militar de Engenharia (IME-RJ), quando passou a atuar no setor de informática e telecomunicações. 

Atualmente, é diretor da empresa Iris Consultoria e diretor do TI Rio (Sindicato de Empresas de Informática do RJ), além das funções no CGI. br. 

 

Confira a entrevista: 

RNTI: Quais são os principais cenários no mundo quando o assunto é internet e quais suas particularidades, em termos de organização, alcance e crescimento?

Henrique Faulhaber: Vivemos uma hiper aceleração da transformação digital que já estava em curso com o evento da pandemia de COVID 19.  A internet está no centro dessa transformação social e pode-se dizer que se tornou uma infraestrutura crítica, assim como é a energia e os meios de transporte.

A desigualdade existente entre os excluídos digitalmente, e aqueles com acesso precário à internet comparados a população que tem acesso à banda larga e às grandes telas são grandes barreiras à transformação digital . Embora o celular seja  uma importante forma de acesso a Internet traz sérias limitações ao uso de alguns serviços.

O letramento digital que é necessário para usufruir dos benefícios dessa transformação em uma sociedade conectada são também um sério empecilho para o seu desenvolvimento: as gerações mais velhas têm dificuldade de se integrar a essas novas realidades, assim como aqueles que têm acesso limitado à educação e aos meios de telecomunicação.

A internet, a inteligência artificial e a transformação digital trazem grandes desafios para o futuro da sociedade, o emprego, e a produção de riqueza. Se por um lado vivemos um período de expansão extraordinária da produtividade baseado no uso das tecnologias também  experimentamos grandes incertezas

RNTI: Qual é a relação entre o setor de tecnologia e a política global? E como a internet se encaixa nesse sentido?

A geopolítica global está muito marcada pelos avanços tecnológicos: A supremacia norte-americana e chinesa no campo da computação,  telecomunicações e internet são marcas importantes de nossos tempos. O esforço da Europa nos últimos anos de regular as “big techs”-  grandes plataformas digitais ( Google, Uber, Facebook, Amazon, Tik Tok, Aliexpress) demonstra a preocupação mesmo do mundo desenvolvido sobre a hegemonia das grandes empresas americanas e chinesas no campo tecnológico e especialmente no uso da inteligência artificial.

A Inteligência Artificial e especialmente o aprendizado de máquina são os principais vetores para o desenvolvimento dos novos serviços da Internet, e os países e empresas que tiverem o domínio neste campo terão vantagens extraordinárias sobre as demais.

RNTI: Economia e internet podem ser desassociadas hoje em dia ou estão ligados de forma indissolúvel? 

Todas atividades econômicas dependem em maior ou menor grau das tecnologias digitais sendo que toda uma gama de serviços novos foram e serão criados com o advento de novas tecnologias.

RNTI: O que representa o 5G nesse contexto?

O 5G permite que a computação móvel por rádio frequência  atinja novos patamares de capacidade de transmissão de dados e de latência ( tempo de resposta) que antes só eram possíveis através de conexões fixas (cabos e fibras óticas) .  

A quinta geração de telefonia permitirá por exemplo a operação em larga escala de veículos autônomos e o acesso a serviços avançados de banda larga em localizações remotas que não tenham infraestrutura física cabeada.

É esperado também um crescimento importante do IOT nas aplicações industriais, de cidades conectadas e de saúde por conta da facilidade de conectar os mais diversos dispositivos que exigem largura de banda e latência sem fios.

É importante ressaltar que as promessas do 5G devem demorar um bom tempo para se concretizar no Brasil, uma vez que a cobertura dessa nova geração exige um maior número de antenas e também a cobertura de grandes áreas que ainda não têm acesso por celular. A tendência é que no início de sua implantação a partir do segundo semestre de 2022 somente seja percebida em algumas regiões das grandes cidades.

RNTI: O conceito de liberdade difere do mundo físico para o on-line? 

Me alinho com aqueles que julgam que não haja diferença de direitos e deveres no mundo online e físico. A liberdade como um direito deve ser garantida em qualquer meio. No que se refere a liberdade de expressão especificamente, a única nuance do mundo virtual é que pela capacidade de disseminação das informações em rede eventualmente um delito pode ser percebido com mais facilidade na internet do que no mundo físico.

RNTI: Avançando na reflexão, o que é democracia, quando pensamos em internet? 

A internet dá maior transparência à esfera pública e em particular as práticas dos governos democráticos: o acesso à informação sem censura e a transparência das informações com relevância para sociedade trazem grandes avanços para as democracias.

Existem alguns desafios às democracias associados a desinformação em rede ( fake News) particularmente em processos eleitorais mas acredito que no futuro através da regulação e autorregulação de plataformas este problema possa ser enfrentado.

RNTI: Regular big techs é um caminho interessante?

Sim, existe uma agenda global importante no qual se discute a necessidade de regular plataformas digitais.  A internet se desenvolveu muito rapidamente sem envolver a responsabilidade de intermediárias sobre a moderação de conteúdos, mas o crescimento da importância das plataformas dos mais diversos tipos ( mensageria, busca, redes sociais, comércio eletrônico, etc) está demonstrando a necessidade da ação proativa das plataformas no combate a ilícitos sejam ameaças de segurança, desinformação, calúnia, incitamento a violência ou qualquer outra forma de ações condenáveis conduzidas por maus atores.

 A solução desta questão de regulação de plataformas não é trivial , embora a meu ver seja solucionável. Os desafios para regulação de plataformas tem como pressuposto o fato de que a internet é global e que as regulações nacionais necessitam ser levadas em consideração pelas big techs em cada jurisdição. É claro que o atendimento às legislações nacionais para essas grandes empresas implicam em maiores custos e complexidades,  mas os governos em boa parte tem demandado isso das plataformas.

Um risco que necessita ser avaliado no campo da regulação de plataformas é dos obstáculos que esse tipo de exigência de diferentes jurisdições coloca sobre empresas menores e inovadoras que teriam dificuldade de cumprir regras diferentes em muitos países.  Um remédio para esse que tem sido utilizado é de não fazer as mesmas exigências para as big techs e para as  empresas entrantes de menor porte.

Outra discussão importante no campo da regulação de plataformas é o de impedir que as big techs cresçam ainda mais e acumulem ainda mais poder adquirindo empresas novas entrantes no seu campo de atuação. Essa discussão sobre a  necessidade de limitar a incorporação de novas empresas pelas big techs tem sido bem relevante nos Estados Unidos particularmente no atual governo.

A regulação de big techs inclui ainda outros temas de interesse da sociedade como o da necessidade de taxações coerentes ao faturamento das plataformas, e da proteção de direitos trabalhistas para os parceiros de plataformas como Uber, Ifood, etc.

Não existe bala de prata para regular plataformas, e uma importante discussão é sobre a forma que as plataformas possam se autorregular segundo orientações das diversas jurisdições tentando desenvolver soluções de moderação de conteúdos que tenham escalabilidade e generalidade usando inteligência artificial.

RNTI: No caso dos Estados Unidos, qual o papel desse país para as complexidades que estamos tratando?

Os Estados Unidos são a sede da maior parte das grandes empresas de tecnologia do mundo, seguido pela China, Europa e Ásia. Apesar de apenas 7,1% dos usuários de Internet do mundo estarem baseados nos Estados Unidos,  61% dos principais serviços de infraestrutura da internet global tem matriz nos Estados Unidos, segundo a TechCrunch. A  hegemonia das empresas norte-americanas neste espaço só é confrontada pela China atualmente.

Em Novembro de 2021 na Cúpula da democracia os Estados Unidos propuseram formar uma nova “Aliança para o Futuro da Internet” para defender os valores abertos e liberais online em contraposição aos governos de China e Rússia.

Existem cerca de 3,7 bilhões de pessoas sem acesso à Internet  no mundo, e a inclusão dessa população faz parte da ambição dessa aliança encabeçada pelos Estados Unidos. Não será tarefa fácil conduzir políticas que influenciam o crescimento da Internet nos países pobres e em desenvolvimento e certamente a China com sua oferta de recursos para infraestrutura deve confrontar essa iniciativa liderada pelos Estados Unidos.

RNTI: Podemos dizer que muitos países estão em um ponto crítico na forma como governam a internet? Por quê?

A internet é relativamente aberta em boa parte do mundo, embora tenhamos  sérios problemas relacionados a cyber segurança e a disseminação de conteúdo claramente ilegal. Os problemas de censura e bloqueios seguem ocorrendo em vários países,  sendo que por exemplo, desde 2015, 31 dos 54 países africanos bloquearam o acesso às redes sociais em algum grau segundo o Institute for Global Change.

O problema de segurança na internet com o crescente número de cyber ataques de negação de serviço e sequestro de dados preocupam muito e exigem dos países um grande esforço para aumento da segurança das redes, empresas e domicílios.  Este é um ponto crítico que exige investimentos inclusive públicos e políticas coerentes de combate a esse tipo de crime organizado.

RNTI: E qual o papel dos países em desenvolvimento, como o Brasil?

O Brasil tem historicamente um papel importante na governança da internet: O Comitê Gestor da Internet foi criado em 1995 e afinado com políticas públicas de abertura do setor de telecomunicações ajudou a construir a internet no Brasil com o apoio à criação do setor de provimento de acesso a internet que se mantém vibrante mais de 25 anos depois da chegada da internet comercial no Brasil . Hoje o Brasil tem o segundo maior número de sistemas autônomos na Internet (ASN) no mundo- Dos 30 mil sistemas autônomos no mundo, o Brasil tem cerca de 8 mil , o que demonstra a importância dos pequenos e médios provedores no Brasil que já atendem mais de 30% dos usuários no país.

O Brasil é reconhecido internacionalmente por sua governança multissetorial da internet através do Comitê Gestor da Internet, o que possibilitou a organização da rede no país através da distribuição de nomes de domínio, endereçamento IP e numeração de sistemas autônomos , além de manter um dos maiores sistemas de interconexão de internet do mundo – o IX.br –

O Brasil foi pioneiro ao introduzir ao regular os direitos e deveres na Internet através do Marco Civil da Internet em 2014, sobre a influência do decálogo de bom uso da rede criado pelo CGI.br em 2009.

O protagonismo do Brasil na governança internacional da Internet é  reconhecido tanto na esfera da ICANN (organização responsável pela distribuição de nomes de domínio) , quanto do Internet Governance Fórum ( IGF) das ONU e outras entidades internacionais, mas manter a relevância no debate da governança da Internet é um esforço continuo de várias gerações.

O desafio de regular o poder das plataformas digitais está ainda em aberto, uma vez que o Marco Civil da Internet não contempla  a necessidade de atitudes proativas desse tipo de intermediários na Internet no combate a ilícitos e às práticas de maus atores.

As regulações, co-regulação e auto regulações sendo estudadas no mundo para tratar da questão da atuação das plataformas digitais exigem que o Brasil e os países em desenvolvimento levem em consideração seus contextos nacionais ao desenharem os seus marcos regulatórios. Os problemas enfrentados, por exemplo, pelos países da África, e países em desenvolvimento na Ásia e Américas são bastante diferentes dos encontrados nos países desenvolvidos.

A desigualdade social maior no mundo em desenvolvimento, assim como os fatores de carência de letramento digital e de competências necessárias para a nova economia trazem desafios particulares para países como o nosso.

O Comitê Gestor da Internet no Brasil está trabalhando na direção de pensar e discutir  o tema da regulação de plataformas com os atores relevantes no Brasil e exterior através do grupo de trabalho que coordeno ( GT-Regulação-Plataformas), e com uma participação ativa na discussão com o Congresso Nacional do projeto de lei 2630 de combate a desinformação on-line 

RNTI: Como interromper movimentos que buscam anular as liberdades essenciais da internet?

A Internet foi criada aberta e acessível a todos na década de 80 como um fenômeno ligado à contracultura e ao liberalismo, mesmo tendo sido uma atividade financiada pela área militar nos Estados Unidos . Com a importância que ganhou na sociedade a partir daí, principalmente a partir dos anos 2000 surgiu a necessidade de fazer com que o mundo on-line cada vez mais integrado ao mundo físico esteja sujeito às regras dos estados soberanos que têm diferentes concepções do que seja a liberdade, a censura, e os diferentes direitos e deveres que todos temos.

Uma sociedade e estado democrático como o Brasileiro tem o dever de garantir que a Internet propicie o mesmo grau de direitos e deveres garantidos a todos cidadãos tanto online quanto off-line.  Esta será uma disputa tratada em cada país na busca da garantia de liberdades, mas que interconectada globalmente, pois as fronteiras geográficas na Internet são difíceis de serem estabelecidas.

RNTI: Quais os principais acertos até agora e os principais erros na governança da internet?

Os problemas que vivemos no Brasil no tocante à governança da internet não são muito distintos de outros países em desenvolvimento ou mais ricos e desenvolvidos. Creio que o maior risco que a todos assusta seja o da segurança cibernética que envolve a necessidade de um grande volume de investimentos, de capacitação em segurança da informação, e do letramento digital. É muito importante que os países tenham uma estratégia de cibersegurança que englobe não só os aspectos da defesa cibernética e dos recursos críticos de infraestrutura , mas todo o tecido social e econômico que incluem as diferentes instâncias governamentais, as pequenas e grandes empresas e os indivíduos. 

Os riscos de segurança cibernética atingem a toda a sociedade e não existem soluções tecnológicas prontas que sirvam a todos os propósitos, existindo um fator humano determinante que precisa ser levado em consideração assim como à todos os aspectos técnicos e de equipamentos e de sistemas necessários para melhor proteger nossa vida tão online atual.

RNTI: Quais as projeções para o futuro em relação à internet e tecnologia como um todo?

Estamos vivendo a época do incremento radical  do uso da inteligência artificial em todos os ramos de nossa vida cotidiana e da hiper conectividade em que o digital se sobrepõe ao mundo físico de forma nunca antes vista. 

De todas as tecnologias emergentes a inteligência artificial com certeza é a mais relevante para o futuro da sociedade no século 21. É muito importante que o Brasil através de suas empresas e de suas Universidades se tornem protagonistas nesse espaço através da engenharia e do uso de sistemas de aprendizado de máquina em larga escala.

O futuro da Internet passa pelo desenvolvimento de sistemas que aprendam com a experiência e que permitam a todos se apropriar do valor criado em um ambiente econônico digital e conectado. A educação e o investimento de nossa sociedade em estar antenada nesse grande momento de transformação é que farão a diferença de que papel teremos nesse futuro.

RNTI: Qual a importância do associativismo brasileiro do setor de TI para conseguir fazer com que possamos avançar?

O setor de TI é muito importante para o país. A escassez de mão de obra especializada e a necessidade de investimento para reter e desenvolver novos talentos são um grande desafio para o associativismo de TI que serão necessários para dar a nossa contribuição para construir um futuro melhor para nosso país.

Estou muito honrado de representar o associativismo de TI através de suas entidades no CGI.br que tem procurado através dos anos seguir relevante na construção de uma internet confiável, estável e em que estejam presentes os valores de sociedade que acreditamos. Muito obrigado pela oportunidade de falar aqui no nosso veículo. 

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