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Tentando decifrar a disputa por detrás da tramitação do PL 2630/20
Durante as últimas semanas a lei apelidada de ‘Lei das Fake News’ ganhou as manchetes de primeira página em vários jornais de circulação nacional em função de sua tramitação na Câmara dos Deputados. Se de um lado a evidência do tema revela a importância do tema para nossa sociedade, do outro, uma análise mais detalhada revela algum certo descaso com o tema.
No governo anterior
Esse projeto de lei, conhecido como PL 2630/20, iniciou sua tramitação no Congresso Nacional, pelo Senado, há quase três anos. O texto original teve como autor um senador que na época pertencia à oposição, e que hoje é parte da base de sustentação do governo.
Durante a gestão federal na qual foi apresentado, o projeto em questão acabou sendo ‘empurrado com a barriga’, muito provavelmente em função dos interesses político-partidários do governo da época, cujo sucesso político se baseou fortemente em manobras digamos ‘pouco ortodoxas’ nas redes sociais.
Novo governo
Com a mudança de governo no início deste ano, acompanhada dos eventos do domingo 08 de janeiro, da sequencia de ataques a escolas e vários outros episódios conectados ao chamado ‘discursos de ódio’, não só mudou a prioridade do governo, como a maior parte da sociedade caiu ‘na real’: nossa legislação para lidar com o assunto pode e deve ser melhorada.
A incoerência da Câmara
Entretanto, o tratamento dispensado ao Projeto de Lei em questão, é incoerente, sem darmos aqui qualquer conotação partidária. Há poucas semanas, uma votação da Câmara aprovou a tramitação dele em caráter de urgência (isto significa que, em vez de passar pelas comissões para ser avaliado e discutido, o projeto deve ser apreciado diretamente pelo Plenário), acompanhado de um acordo de lideranças com o presidente da Câmara para votar o projeto na semana seguinte.
Ainda, esse exíguo prazo de uma semana foi subdividido em etapas menores, como por exemplo, a concessão de alguns dias ao relator do projeto, para supostamente melhorar o texto (como se não houvesse tido tempo antes…), e para a apresentação de emendas por parte de outros parlamentares.
O que vimos acontecer na prática foi uma disputa por holofotes, não apenas de parlamentares, mas de outros protagonistas do processo, que fez com que entre a aprovação da urgência e a data prevista para a votação, o texto fosse sendo modificado dia a dia, tornando-se assim um “alvo móvel”, muito difícil de acompanhar, e ainda mais difícil de termos oportunidades de interação para apresentar sugestões de melhoria.
As ‘patas’ das big techs
Ao mesmo tempo, as grandes empresas chamadas de ‘big techs’ se posicionaram diversas vezes e por vários canais de forma aberta contra o Projeto de Lei, porque elas são o alvo do Projeto. Talvez pela gestão da tramitação, talvez por outros motivos não confessados, essa oposição se deu em um tom de voz considerado agressivo demais, não apenas pelos políticos envolvidos, mas também na arena jurídica.
O STF em ação
Valendo-se do polêmico (segundo muitos juristas) inquérito das Fake News, que tramita há anos no Supremo Tribunal Federal, o ministro apelidado de “Xandão” ordenou ao Telegram a retratação de sua manifestação sob pena de suspensão do serviço. Se essa decisão cabia e era correta, é uma análise que deixo para os juristas.
O que me chamou a atenção foi, ao ler a decisão em questão, a defesa da necessidade URGENTE de regulamentar a responsabilização das redes sociais ‘pela via “LEGISLATIVA e/ou JUDICIAL”.
Ao mesmo tempo, a presidente do STF incluiu na agenda do plenário do STF as quatro ações relativas ao tema ‘internet’ que tramitam por lá, várias delas há muitos anos. A ação que questiona o artigo 19 do Marco Civil da Internet é a que tem a maior ‘brecha’ para que o STF interfira antes do Congresso no processo.
Outras votações congestionaram a agenda da próxima semana, então novas mudanças podem ocorrer.
Vai acabar em vaquejada?
Caso o STF crie a regulamentação para a qual aponta a decisão monocrática desta semana, é praticamente certo que não conseguirá colocar um ponto final na questão. A disputa pela autoria da regulamentação (na qual o Poder Executivo também entrou ameaçando regular por decreto), nos fez lembrar da ação na qual o STF considerou inconstitucional a realização de vaquejadas. Como reação a ela, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 96, que “acrescenta § 7º ao art. 225 da Constituição Federal para determinar que práticas desportivas que utilizem animais não são consideradas cruéis, nas condições que especifica”.
Ou como dantes?
Analisando todo este cenário, parece-nos que o ‘clima’ criado está muito mais próximo de uma busca de protagonismo e da vontade de dispor de regras para poder multar as grandes empresas envolvidas, do que da real intenção de solucionar o problema das “fake news”.
No trabalho de acompanhamento desenvolvido pela sociedade civil organizada, identificamos diversas oportunidades concretas de melhoria do Projeto de Lei, para os quais, na situação descrita que vivemos, há poucas oportunidades de serem ouvidas e praticamente nenhuma chance de serem incorporadas ao projeto. Como o projeto todo gera regras apenas para as grandes empresas (com dez ou mais milhões de usuários no país), seguiremos correndo o risco de que transgressores e criminosos continuem atuando ‘como dantes na terra de Abrantes’, disseminando suas fake news em plataformas menores.
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